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O ser se diz de muitos modos 4

É perfeitamente possível, portanto, descrever a perspectiva do senso comum, sem recorrer às idéias de dogmatismo ou de ingenuidade. Podemos perfeitamente entender a operação de uma filosofia do senso comum como paralela àquela posta em prática – dando mais uma referência externa à filosofia do senso comum por Aristóteles, – ao devolver à epistéme sua plena autonomia em relação a um saber absoluto ou an hipotético.

Recusar a discussão da existência do mundo e recusar, como o Aristóteles da Física, a discussão da existência do movimento, são operações semelhantes: assim como na Física, o senso comum não tem por que dar conta de seus pressupostos a uma instância supostamente anterior ou superior. Num caso como no outro, poderíamos dizer com Pascal, que “esta falta de provas não é um defeito, mas uma perfeição”.

Bento Prado Jr., Por que Rir da Filosofia?, in A Filosofia e a Visão Comum de Mundo.


Bento Prado Jr. é um filósofo brasileiro acredito que reconhecido no mundo inteiro pelo seu trabalho. Eu o vejo como escritor. Sua tradução das Meditações Metafísicas de Descartes é mediúnica. E, quando escreve, consegue nos narrar as encrencas em que se meteu com uma clareza e simplicidade que só exige supor alguma familiaridade com a historia da filosofia e seus conceitos. Mas ao mesmo tempo sua erudição nos recomenda cautela: “Não vá pensando que só porque eu descrevo bem você já entendeu entendeu tudo…”

Nesse artigo de que cito um trecho, entendi que ele está ao mesmo tempo defendendo o valor do senso comum no sentido trivial de lugar comum e desdenhando da possibilidade de uma filosofia do senso comum. Se é isso, concordo. Mas certamente a leitura de Bento do problema é mito mais nuançada e o texto merece mais algumas leituras.

A suposição de que há uma relação privilegiada entre a mente e o Mundo de tal modo que é possível à mente ler o mundo mundo e não simplesmente interpretá-lo indiretamente, é o principio que funda o senso comum. Que depois alguém se ponha a pensar o pensamento – coo Aristóteles – por si só não constitui uma filosofia do senso comum, mas uma nova ciência que se funda sobre um tipo especial de empirismo, digamos assim: um empirismo introspectivo.

Certamente pensar o pensamento exige condições especiais – daí a experiência metafísica de que Descartes propõe.


Para Kant, esse desvelamento dos princípios que constituem o senso comum, não é suficiente. Ignorando a recomendação occaniana de não se multiplicar inutilmente os conceitos, ele povoa a mente com todas as categorias aristotélicas e as confina num esquema platônico, ao custo de cortar o vínculo direto entre a mente e o mundo.

Se o resultado foi desastroso para a filosofia, pior ainda foram os efeitos da vulgarização do kantismo como um contraponto ao senso comum – tão bem expressos na fala de Nicolelis.

Seguimos funcionando na suposição desse vínculo, mas toda a interpretação que o mundo culto nos oferece nega a verdade desse vínculo. Como diria Groucho Marx: “Você vai acreditar em mim ou no que seus olhos estão vendo?”


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