Estamos condenados à liberdade. Nossa condição de criatura finita, nossa irrevogável contingência, a isso nos obriga. Não determinamos nosso nascimento nem nossa morte; nem como somos ou o que somos.
No que diz respeito à Vida, assim é: ela nos ocorre sem pedirmos e se encerra sem querermos e entre um momento e outro nada ocorre que não esteja marcado por circunstâncias que nos ultrapassam – mais ou menos, segundo a nossa sorte. E por todo esse tempo somos por isso obrigados a escolher, a exercer essa liberdade que nos impõe a contingência e sempre sob pena de pagar até com a vida pela escolha errada.
Por isso a liberdade nos pesa como uma forma de desamparo: estamos sós – somos apenas nós, nossas circunstâncias e nossas escolhas.
A quem o acaso ou a providência dotou de alguma riqueza, talvez esse peso não seja tão evidente. Mas aos desassistidos, que cotidianamente enfrentam uma série de percalços para simplesmente ir e voltar do trabalho, a tensão de ser livre difere pouco daquela que deveria acompanhar os homens no estado de natureza. Enfim para a maioria, a vida ainda é uma selva.
Há um evidente paradoxo em uma liberdade que se impõe como necessária, obrigatória, inescapável. E dessa tragicidade deriva outra: toda escolha tem consequências e corrigi-las, quando é o caso, implica no mínimo em atrasos e recuos, em reinvestimentos e escusas, que pagamos na moeda que nos é mais escassa: o tempo.
Toda criatura é livre: da partícula mais simples ao homem – passando pelos animais e as plantas. Mas por que só ao homem essa liberdade soa trágica?
Porque só nós conhecemos o arrependimento, a inveja, a patológica vontade de ser outro. Espremidos entre o “se” do ressentimento e o “se” da vingança, deixamos escapar o presente, que é só o que de fato possuímos. Empapados de remorso e impermeáveis ao perdão, falta-nos coragem até para a maldade genuína: nos esgueiramos entre as sombras da grandeza que não vemos em nós.
Os animais e mesmo as plantas parecem não conhecer o arrependimento: como Deus, eles são o que são. Todo gato, por exemplo, é, todo tempo, o melhor gato possível – sem jamais desejar ser outra coisa – até o fim.